Mario Botta, arquiteto suíço formado pelo Instituto Universitario di Architettura di Venezia (IUA) em 1969, é mundialmente conhecido por suas estruturas geométricas e imponentes, edifícios massivos inspirados na arquitetura vernacular italiana. Suas vilas, capelas, vinícolas, escolas, bibliotecas, museus, edifícios de escritórios, bancos e condomínios residenciais encontram-se espalhados pelos quatro cantos do mundo, desde pequenos vilarejos na região do Ticino, no sul da Suíça, até os confins da China, Índia, Coréia do Sul, Japão e Estados Unidos.
Mario Botta nasceu no ano de 1943 na pequena cidade suíça de Mendrisio, a poucos quilômetros da fronteira com a Itália. Seu primeiro contato com a arquitetura se deu através da prática—trabalhando como aprendiz de desenhista em um escritório de arquitetura de Lugano quando tinha apenas 15 anos de idade. Após concluir o ensino médio, sua paixão pelo desenho o levou primeiramente a frequentar a Escola de Arte de Milão e depois o Instituto Universitario de Arquitetura de Veneza, onde conheceu alguns de seus grandes mestres como Carlo Scarpa e Giuseppe Mazzariol.
Ainda como estudante de arquitetura em Veneza, Botta teve a incrível oportunidade de trabalhar em alguns projetos locais desenvolvidos por dois personagens que viriam a influenciar profundamente a sua carreira como arquiteto: Le Corbusier e Louis Kahn. Concluídos seus estudos, Mario Botta decidiu voltar à sua terra natal e abrir seu próprio escritório de arquitetura, onde também trabalhou como professor no Instituto Tecnológico Federal de Lausane além de ministrar uma série de cursos na Escola Politécnica da mesma cidade e também na Yale School of Architecture, em New Haven, Connecticut. Em 1996, Botta foi um dos principais responsáveis pela fundação da Academia de Arquitetura da Università della Svizzera Italiana de Mendrisio, atualmente uma das escolas de arquitetura mais prestigiosas de toda a Europa. Em 2018, o arquiteto teve a honra de projetar e inaugurar o Teatro de Arquitetura na Universidade que ele havia ajudado a fundar mais de vinte anos antes. Em comemoração, este incrível espaço expositivo foi inaugurado com uma grande exposição sobre “Louis Kahn e a cidade de Veneza”.
A pouco mais de dez anos, em 2011, Botta decidiu transferir seu tumultuado escritório de arquitetura de Lugano para sua tranquila cidade natal no sul da suíça, aonde eu tive o imenso prazer de encontrá-lo no final do mês de maio para uma breve conversa sobre arquitetura. O famoso arquiteto me recebeu em seu escritório, um grande espaço de pé direito duplo no térreo do Edifício Fuoriporta, projetado pelo próprio arquiteto em pleno coração de sua tão amada cidade. A seguir, acompanhe os principais trechos de nossa animada conversa sobre arquitetura, traduzida simultaneamente por seu filho, Tommaso.
Vladimir Belogolovsky: Você poderia nos contar um pouco mais sobre o que o levou a estudar arquitetura? Você tinha algum arquiteto ou artista em sua família próxima?
Mario Botta: Não, durante a minha infância não havia nenhum arquiteto ou artista por perto. Ainda assim, desde pequeno eu sabia que queria trabalhar com imagens. Todo mundo dizia que eu seria um artista, fotógrafo ou arquiteto no futuro. Ainda muito jovem eu tive a oportunidade de trabalhar como aprendiz em um escritório de arquitetura em Lugano. Comecei como desenhista e ganhei muita experiência antes mesmo de ir para a universidade, primeiramente na Escola de Arte de Milão e depois no Instituto Universitario de Arquitetura de Veneza, onde finalmente me graduei como arquiteto no ano de 1969.
VB: Você disse uma vez que se sentia como um prisioneiro dos grandes mestres do Movimento Moderno, tendo sido um dos principais pupilos de Carlo Scarpa na universidade além de trabalhar com Le Corbusier e Louis Kahn enquanto ainda era apenas um estudante de arquitetura. O que estas experiências significaram para você e quanto elas influenciaram a sua carreira como arquiteto?
MB: Bem, de fato a minha vida e obra foram profundamente influenciadas por esses três magníficos personagens. Le Corbusier procurava solucionar os principais problemas de sua época através da arquitetura, ele buscava responder as principais questões sociais de seu tempo desenvolvendo estratégias urbanas e sistemas construtivos de habitação em massa. Ele expressou tudo isso de uma forma inteiramente nova e revolucionária. Kahn, por sua vez, estava mais preocupado com as origens da vida. Sua obra construída é um convite a reflexão sobre a transformação da natureza ao longo do tempo, assim como carrega um significado profundamente cultural e humano. E Carlo Scarpa talvez tenha sido o mais influente de todos eles, com uma sensibilidade extrema pela materialidade das coisas. Estas são apenas algumas breves palavras sobre o que estes três mestres significaram para mim.
VB: Quando analisamos alguns de seus projetos, especialmente suas primeiras casas, como a Casa Rotonda, podemos perceber uma metodologia quase escultural, de escavação e erosão a partir de um volume sólido. Você poderia nos contar um pouco mais sobre o seu processo de projeto? Por onde foi que você começou?
MB: Não existe um só começo. Cada projeto demando um novo recomeço. Por exemplo, no caso do projeto da Casa Rotonda, ela não surgiu de uma forma redonda. Eu comecei com um volume quadrado, no qual eu fiz um recorte para poder trazer a luz para o lado de dentro. O motivo final que me levou a mudar a planta quadrada inicial para aquela redonda que todos conhecem hoje foi a observação do contexto imediato da casa. Eu queria evitar confrontar diretamente as fachadas das casas vizinhas. Além disso, esta casa foi construída com materiais muito simples, é uma construção muito modesta por assim dizer. O custo foi praticamente o mesmo das demais casas construídas na região.
VB: É verdade. Quando observamos as plantas desta casa ela parece bastante compacta, como um apartamento. Mas o seu volume, por outro lado, nos dá a impressão de ser um edifício imenso, monumental.
MB: Esta é apenas a impressão de quem a observa de fora. Dentro da casa existem três níveis. Mas o primeiro nível, no térreo, é quase inteiramente ocupado pela escada. O segundo pavimento acolhe os espaços sociais da casa enquanto o terceiro andar é ocupado pelos espaços íntimos, os quais são iluminados por aberturas zenitais que nos convidam a observar as estrelas ao cair da noite.
VB: Neste caso, poderíamos dizer que a casa foi projetada de fora para dentro?
MB: Meus projetos nunca nascem de fora ou de dentro. Meu processo de projeto é o que eu chamaria de “simultâneo”. Eles nascem de uma abordagem muito sensível ao contexto específico. No caso da Casa Rotonda, por exemplo, havia apenas um terreno vazio. Eu poderia ter feito qualquer coisa lá. Mas obviamente eu sabia que, eventualmente, mais casas seriam construídas no bairro. Então, neste caso, eu tive que imaginar e prever o contexto. Ainda assim, ele se manteve determinante e o projeto da casa nasce deste respeito e consideração pelo contexto.
VB: Muitos de seus edifícios são fortemente geométricos. Como você mesmo disse: “A forma é uma função da arquitetura”. Você poderia falar mais sobre isso?
MB: Talvez fosse melhor falar disso dando um exemplo. Se você olhar por esta janela, verá uma torre do outro lado da praça, que, junto com nosso próprio edifício de escritórios, funciona como o portão para a cidade de Mendrisio. Aquela torre foi projetada como um anexo do Centro de Forças de Segurança da cidade de Mendrisio, uma obra concluída no ano de 2008. O edifício abriga a sede do Corpo de Bombeiros, da Polícia e da Defesa Civil. É uma torre bastante simbólica, mas que também serve para os bombeiros treinarem. É isso que eu quero dizer quando digo que a forma é também uma função da arquitetura. Nesse caso, ela é ao mesmo tempo simbólica e funcional, mas evidentemente ela poderia ser apenas simbólica, o que também é uma função em si.
VB: Em outra ocasião você disse que a sua obra de arquitetura é autobiográfica. O que você quer dizer com isso?
MB: Bem, eu sempre desenho com o mesmo lápis. [Risos] É assim que eu trabalho—criando formas através do desenho, como uma forma refletir sobre minhas próprias ideias. Existe uma forte conexão entre o raciocínio lógico e o desenho.
VB: Falando de suas casas, você as descreve como “instrumentos de leitura da paisagem”. Ainda assim elas são bastante diferentes entre si; você diria que há uma progressão consciente em seus projetos? Por acaso você estaria aprimorando um modelo de casa ideal, criando variações de um mesmo tema?
MB: Eu diria que em primeiro lugar, existe o contexto. É o contexto que informa meus projetos, não tem nada a ver com a minha vontade em reinventar a ideia de uma casa. O contexto é o elemento vital de cada projeto. É ali que o arquiteto encontra a maioria das pistas sobre o que ele precisa fazer em um projeto. Todas as minhas casas são diferentes porque os lugares para os quais elas foram projetadas são diferentes. Então, quando eu digo que as casas são instrumentos de leitura da paisagem, é porque de fato elas nascem do seu contexto específico. Um bom projeto de arquitetura é aquele que tem algo a dizer sobre o seu contexto. Fazer arquitetura é como construir um diálogo com a paisagem.
VB: É isso que você quer dizer quando diz que seu trabalho “é uma correção contínua”.
MB: Correção, neste caso, significa ajuste. Fazer arquitetura é como ajustar continuamente este diálogo entre as paisagens construída e natural. Louis Kahn costumava dizer a seus alunos que arquitetura não existe. O que existe é uma obra de arquitetura. Para um arquiteto, isso implica um processo de correção contínua. Para ser capaz de fazer arquitetura, você deve lidar com o contexto, com a função, a ecologia, a economia, a construção e tantas outras disciplinas.
VB: No entanto, existe uma dimensão incorpórea na arquitetura, a qual pode estar totalmente alheia ao entorno ou à especificidade do lugar, ou até mesmo à função do edifício. Como você mesmo disse: “Se eu pudesse viver no Panteão, o faria porque ele oferece não apenas um microcosmo, mas também uma relação com o céu”.
MB: Quando a perfeição da forma e a poética do espaço se misturam, alcançamos a beleza. O Panteão, este incrível edifício, talvez a obra de arquitetura mais poderosa já construída pelo homem, transmite a ideia de uma relação harmoniosa entre a terra e o céu, entre o finito e o infinito.
VB: O Panteão é claramente uma estrutura geométrica, muito parecida com a geometria que você explora em suas obras. Você disse que se apropria da geometria sem medo, e de fato muitos de seus edifícios afirmam esse idealismo pela forma e pela simetria.
MB: A geometria da forma na arquitetura reflete o poder da natureza, criando uma relação de equilíbrio entre estas duas instancias. Existe simetria nos corpos humanos, assim como nas árvores e assim por diante. Na arquitetura, a simetria pode ser usada de maneiras sensíveis, como na obra de Andrea Palladio, ou de maneiras grandiosas e até pretensiosas, como no caso de Albert Speer.
VB: Você defende a arquitetura como um ato de resistência, como você mesmo disse: “Eu acredito no retorno da arquitetura como uma forte presença física e como um ato de resistência”. A que exatamente a sua arquitetura resiste?
MB: A natureza. É claro que todos os edifícios construídos pelo homem devem resistir aos elementos da natureza; a arquitetura trava uma luta constante com a natureza. Além disso, a arquitetura deve resistir às forças negativas da globalização, da modernidade, da moda e todos os tipos de banalidades. A globalização em particular é uma força muitas vezes destrutiva, que corrompe as peculiaridades locais e as distinções entre diferentes regiões e culturas. É simplificar tudo ao mínimo denominador comum. A minha arquitetura, sobretudo, é um ato de resistência a essas forças.